sexta-feira, 8 de julho de 2011

Governo impede que Legislativo cumpra a função de fiscalizar



São graves os problemas que envolvem os paulistas. Fraudes nos hospitais, transtornos no Metrô, preços dos pedágios e transbordamentos do Tietê encabeçam a lista de 2011. São temas recorrentes nas conversas de rua, na polícia, no Ministério Público, nos tribunais. Só não chegaram ainda à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde estão devidamente instalados os 94 representantes eleitos e pontualmente remunerados pelos paulistas. A causa não é o recesso iniciado nesta segunda-feira, cem dias após a posse dos novos eleitos. Então, o que impede o legislativo paulista de se envolver nos temas da maioria dos cidadãos?
A política no sentido menos nobre da palavra, admitem muitos deputados. Por causa dela, em vez de fiscalizar e propor mudanças, a Alesp funciona a cada dia mais como um anexo do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo. É normal que os interesses dos governos que compõem maioria predominem nos legislativos. No Brasil, o fisiologismo nas bancadas é corriqueiro. Mas no caso de São Paulo, onde a oposição detém 30% das cadeiras, o que se vê é uma série de mecanismos que transformam a Alesp em uma espécie de chancelaria governamental. A oposição afirma que tenta, mas não consegue romper a blindagem em torno de temas considerados críticos pelo Palácio dos Bandeirantes.
Vitorioso nas cinco últimas eleições estaduais, o PSDB é apontado pela oposição como o articulador de mecanismos que dificultam a independência legislativa. No atual governo, de Geraldo Alckmin, a situação teria se acentuado, por causa de uma crise interna na própria bancada, o que as lideranças tucanas negam. O presidente da Alesp, Barros Munhoz, afirma que a Casa só não mergulhou nos problemas citados porque outras instituições, como o Tribunal de Contas do Estado e a polícia, fazem esse trabalho. Ele avalia ainda que o esvaziamento das funções legislativas se dá em todo o País, desde a Constituição de 1988. “Essas críticas são da oposição, que é minoria aqui. Nas democracias, o que vale é a maioria”.
Mas não se trata apenas da oposição. A falta de envolvimento da Alesp tem incomodado a própria base do governo, pressionada por parte de seu eleitorado. Sob condição de não ter os nomes divulgados, deputados da base de apoio ao governo reconhecem e também reclamam: “O governo apequena a Assembleia. Aqui o debate é proibido. Exercer o poder fiscalizatório também é absolutamente vedado. Eu acho eu isso é ruim para todo mundo, as nossas bases não gostam disso e fica até feio para o governo”, resume um deles.
Para se ter uma idéia dos mecanismos, só têm sido aprovados os projetos de lei que o Colégio de Líderes consegue chancelar antes, junto ao governo. As bancadas elegem suas prioridades, os líderes levam ao Colégio e de lá é definida uma consulta aos órgãos do executivo envolvidos no tema. “Para evitar que o governo tenha que se desgastar com um veto, o projeto de lei nem entra em cena. O líder do governo leva o projeto para a área do governo envolvida e retorna dizendo se há ou não acordo, as mudanças necessárias etc. Assim, quem legisla de fato é o executivo. Somos meros despachantes”, reclama o líder do PT, Enio Tatto.
“Eu também não concordo com esse mecanismo. Só que o que acontecia antes era uma chuva de vetos. Então temos um acordo para consultar o governo antes”, admite o líder do PSDB, Orlando Morando. “Não há uma subordinação ao governo. O que fazemos é uma tentativa de consenso”, reage o líder do governo, Samuel Moreira (PSDB). Para ele, o fato é que o regime presidencialista, aplicado no Brasil, “estabelece uma liderança natural do executivo”.
Fiscalizar é a função legislativa mais esquecida em São Paulo. Há quase duas décadas as administrações tucanas não enfrentam uma CPI.  As comissões de inquéritos aprovadas na Casa envolvem temas tão irrelevantes que parte delas foi barrada pelo Tribunal de Justiça neste ano. Mas não é apenas por compor a maioria que os governos barram as investigações. O episódio deste ano é auto-explicativo acerca dos mecanismos. Para evitar que a oposição protocolasse pedidos de CPIs, como sobre os pedágios e as enchentes no Tietê, a base montou uma estratégia primária: registrou pedidos de CPIs infundados e desconexos com o governo, como a CPI da Dentadura, que investigaria os serviços de implantes dentários, ou a CPI dos Cachaceiros, que apuraria o consumo abusivo de álcool pelos cidadãos paulistas, para superlotar o protocolo e barrar as investigações que envolviam o governo.
As Comissões de Inquérito da Assembleia têm de funcionar em ordem cronológica, de acordo com a chegada do pedido ao protocolo. Em 16 de março, um dia após a posse, o PT tentou registrar, antes do PSDB, o pedido para a CPI dos Pedágios. Barros Munhoz entendeu que uma assessora do PSDB havia chegado antes. Após um impasse que durou mais de dez horas, a presidência da Assembleia deu à funcionária tucana o primeiro lugar na fila. E como ela tinha 11 pedidos de CPIs para protocolar, fechou a possibilidade de a oposição cadastrar pedidos nos período legislativo. Ao anunciar a decisão, na época Munhoz reconheceu que falta detalhar os critérios para o protocolo. Segundo avalia atualmente, “aqui não se inibe CPIs, como o governo do PT faz na Câmara e no Senado”.
O governo estadual também tem alterado sua estrutura sem consultar o Legislativo. “É tanta submissão e a hegemonia é tão grande, que se esqueceram da lei. Não poderiam, por exemplo, mudar a Corregedoria da Polícia sem consultar a Assembleia, isso é inconsticional”, reclama o deputado Edinho Silva, presidente do PT paulista. Para ele, os métodos desfavorecem o próprio governo, além de provocar o esvaziamento da agenda, “pois quando a Assembleia deixa de dialogar com a sociedade, ela fica à margem, o que é ruim para o Legislativo e também para o executivo”. Segundo avalia, se o governo abrisse os debates, poderia até dividir desgastes com o Legislativo ou obter blindagens políticas para problemas pontuais. Se não barrase CPIs, poderia agir para modificar modelos, como no caso dos pedágios. Edinho exemplifica: “No caso das fraudes médicas, por exemplo, todos sabemos que não se tratam de fraudes do governo, mas problemas de um modelo que precisa ser modificado. Não é tudo que é contraponto para a oposição. Mas aqui esse debate não acontece”.
Não há sinal de mudanças na Alesp. Ao contrário. Está em curso uma crise interna, que tem acirrado ainda mais o centralismo. Segundo admitem lideranças tucanas, Alckmin é ainda mais centralizador que o antecessor, José Serra. “Digamos que a diferença entre Alckmin e Serra é que temos uma continuidade sem continuísmo”, define Morando, antes de concluir: “Na verdade Alckmin é um pouco mais centralizador que Serra”.
Na realidade, Alckmin montou e governo e articulou  a base aliada em plena sangria política da feroz disputa com Serra. Para complicar, seus escolhidos para fazer a articulação política na Casa receberam uma fatura de 90 milhões de reais em emendas de 2010 que ainda não foram pagas. E a conta envolve ao menos 70% dos deputados da base, que foram reeleitos para este mandato. Essa é uma das justificativas para o estado atual de pequenas fissuras e descompassos no batuque tucano da Assembleia. “Não é esse o problema. O fato é que o próprio PSDB está dividido dentro da Casa e com isso a base fica sem interlocução com o governo”, afirma um aliado.
Não há, porém, sinal algum de rebelião na base. Apenas pressões sutis, como falta de quorum, que têm permitido manobras da oposição para viabilizar emendas em projetos. Afinal, Alckmin não fez economia para manter a hegemonia do PSDB na Assembleia, Para se ter uma idéia, quase todas bancadas da base aliada hoje têm secretarias ou setores importantes no governo Alckmin: PPS, PSB, PP, PMDB e PV, além do DEM, PTB que já vêm contemplados desde Serra. Os outros aliados, como PR, PDT e PRB também têm mais cargos que na gestão anterior, segundo uma liderança tucana.
“Não reclamamos mais de cargos, mas o fato é que o governo tem dialogado pouco e pressionado muito para barrarmos a oposição, só por política. Mas não está pegando bem ficar tão longe das discussões da sociedade, isso pode nos custar muito caro, porque a política está mudando, as pessoas estão cobrando mais”, explicou um deputado da base. Talvez, para os paulistas, o custo também esteja alto, inclusive do ponto de vista financeiro. Para este ano, o Orçamento chega a 680 milhões de reais. Cada deputado consome por mês, em média, 139 mil reais (20 mil reais de salário, 24 mil reais de verbas extras para as despesas e 95 mil reais para custear os assessores).

Fonte: revista Carta Capital / PTALESP

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